No meu caso, que
minha avó me contou, pois fui criada com ela. Mas quem de nós não tem traumas
obscuros escondidos no fundo da alma? Traumas esses decorrentes das verdades
infundadas que mamãe nos contava a fim de conseguir alguma paz.
A primeira que eu me
lembro e que me perturba até hoje é a história do chinelo virado. Até hoje se
eu vejo um chinelo virado me dá um faniquito de perturbação que não passa até
eu desvirar o bendito. Acho que desenvolvi
TOC nesse quesito. Não importa se eu to na casa de alguém, ou numa loja de
calçados, ou num restaurante daqueles orientais que só pode entrar descalço. Se
tem chinelo virado, eu PRECISO desvira-lo. E qual era a mentira que me foi
contada? A de que se o chinelo ficasse virado, a mãe morria.
Pensando hoje, qual a
relação de um chinelo virado e morte da mãe de alguém? Ah, criança ingênua! Não
percebeu que era só desculpa da mamãe para que você mantivesse as coisas
organizadas?
Enfim, essa mentira
me marcou profundamente. E até hoje eu salvo pobres mães pré destinadas a
morrer porque alguém se descuidou e deixou o chinelo virado.
Algo que eu gostava
muito na minha infância era uma mistura de gelo moído com groselha,
popularmente conhecido como raspadinha (nos dias de hoje são os famosos Frozen.
Mudaram a nomenclatura devido ao significado pejorativo que as crianças do mal
atribuiriam ao nome). Custava tipo uns 0,25 cents de cruzeiro na época (!) e eu
era doente por aquele negócio. Então eu tentava fazer igual em casa, raspando o
gelo que se forma no congelador e misturando leite condensado, Nescau e
qualquer coisa que eu achasse que ficaria bom. Aí vovó me falava que aquele
gelo era tóxico, formado por gases da geladeira e que eu se eu continuasse
comendo ia morrer envenenada. Lógico que funcionou. Nunca mais nem respirei
quando abriam a porta do congelador. E até hoje suspeito um pouco daquele gelo
mutante que se forma do dia pra noite. Depois eu descobri que não, não era verdade.
O gelo formado nas paredes do congelador consiste exclusivamente do
congelamento do vapor de água que sempre esteve no ar. Assim, a menos que a
geladeira seja realmente muito potente, não há o risco de ter congelado outra
coisa junta, como nitrogênio. O gelo da lateral, aliás, deve ser até mais limpo
do que o fabricado nas formas, já que invariavelmente a gente faz isso com água
da torneira.
E o
monstro da congestão? Ninguém nunca soube bem o que era isso nem nunca voltou
pra contar, mas pelo nome era algo horrível e triste. Tão horrível e triste que
quando era dia de praia/piscina, a hora de comer era considerada mais ou menos
como o Apartheid. Melhor coisa a se fazer era não sair da água pra comer por
nada no mundo. Ficar o dia todo de molho até os dedos enrugarem e a pele das
costas e do nariz descascar era a solução mais óbvia. Mas a mães cruéis não
queriam nem saber disso e nos obrigavam a comer (pra não morrer por inanição)
e, pior ainda, ficar umas três horas esperando a comida “abaixar” pra só depois
poder voltar pra água.
Pra mim
esse mito até que não é de todo mentira. Depois de comer, o estomago precisa de
uma quantidade maior de sangue para realizar a digestão, e consequentemente
mais energia para esse trabalho. Se a pessoa faz esforço nessa hora, o sangue e
a energia que deveriam ser enviados pro sistema digestório são gastos, o que
prejudica todo o processo. E como criança na água quase não faz farra, não é
incomum que as corujas preocupadas queiram proteger seus rebentos. Dificilmente
alguém morre de congestão, mas se tratando de seres que acham que são o Cesar
Cielo, todo cuidado é pouco. Quando o meu nascer, acho que vou agir da mesma
forma e fazê-lo esperar incríveis 3 horas até poder voltar a brincar.
São tantas conversinhas, desculpinhas e mentirinhas que me pergunto quais as que eu vou usar aqui em casa. Porque, né? As mentiras da mamãe fazem parte da criação de qualquer criança saúdavel. =D